segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Respeitável Público

Revirando alguns documentos antigos, encontrei este texto. Não fui eu que escrevi. Até procurei na internet, mas não localizei. O primeiro palhaço negro Benjamim de Oliveira conta um pouco de sua história. Leia. Vale a pena.
Respeitável Público! Respeitável Público! Esta é a minha história. Nasci em Pará de Minas Gerais no ano de 1870. Meu primeiro contato com o circo foi quando eu era vendedor de bolos nas portas dos espetáculos. Fiquei tão encantado com o que vi que não resisti, fugi de casa com o primeiro que passou. Aprendi acrobacias e trabalhei na corda do trapézio. Fiquei três anos com este circo, e como o dono me espancava, resolvi fugir com um grupo de ciganos, que se diziam caldeireiros, mas na verdade eram ladrões de cavalo. Estes queriam vender-me ou trocar-me por um cavalo, porque eu era negro e o Brasil ainda vivia nesta triste realidade. Fui salvo por uma boa alma cigana que sabendo da trama, me avisou e ajudou-me a sair desta enroscada. Meu nome é Benjamim de Oliveira. Caminhei sertão adentro, fui preso por um fazendeiro que julgava ser meu dono e eu, seu escravo fugitivo. Tive que provar que eu era artista fazendo acrobacias. Consegui. Fui embora e passei dias e noites com fome até que cheguei a um vilarejo onde realizava-se uma festa em benefício a São Francisco. Fui a rua mostrar o que sabia e de pires na mão saí pedindo esmola para o santo. Conseguiu dinheiro para comprar queijo e rapadura para a longa marcha que eu tinha pela frente. Cheguei a Mococa, estado de São Paulo. Lá encontrei um circo onde o chefe do elenco era um norte-americano. Fiquei dois anos com ele fazendo acrobacias e já ganhando um bom dinheiro. Fui parar em Nazaré, Minas Gerais, onde encontrei-me com aquele que seria meu mestre - Manoel Marcelinho, dono de outro circo e com ele comecei a trabalhar e crescer. Fazíamos apresentações em Minas e São Paulo. Foi aí que eu conheci Frutuoso Pereira que viu meu trabalho e contratou-me pagando meu primeiro salário fixo. Esta companhia era bem organizada e tinha alguns artistas estrangeiros. Aos 19 anos e trabalhando neste circo, vi a entrada da República na cidade de São João da Boa Vista. Mudamos para São Paulo e iniciamos uma tourneé pelos centros cafeeiros mais prósperos. Eu era pau para toda obra. Um dia, o palhaço Freitinhas adoeceu. A Cia reuniu-se para escolher um novo palhaço. A coisa ficou séria e muitos pediram demissão. Eu estava comendo ao lado, comendo no meu prato de folha – como negro eu não me sentava à mesa com os outros – quando o novo sócio de Frutuoso disse: “O moleque Benjamin vai fazer o palhaço”. Tremi. Se não fosse preto, decerto teria ficado pálido. Apelei com os olhos para o Frutuoso. Ele, porém, confirmou. Eu tive que fazer o palhaço. O resultado foi que na primeira noite fui vaiado com gestos e assobios. Na segunda levei batatas e ovos podres. Fomos para Santos onde me quebraram a cabeça. Em outra cidade me atiraram uma coroa de capim. Parecia predestinado ao fracasso, mas eu não desisti. Até que uma noite em São José dos Campos, começaram a me aplaudir e pedir bis. Foi lindo. Foi minha glória. Como é bom ver seu trabalho ser reconhecido. Vieram as cartas, telegramas e convites. Fui para o Circo Amaral com um salário maior. Começa aqui uma nova fase de minha história. Fui para o Rio de Janeiro e comecei a trabalhar no circo de um português. Numa noite, após o espetáculo, um homem procurou-me. O dono do circo, Comendador Caçamba disse: “O palhaço é um negro que eu tenho” e me chamou: “Negro Benjamin”. Apareci, o homem me felicitou e entregou-me uma nota de 5 mil reis e foi embora sem que ninguém soubesse quem era. Descobrimos que tratava-se de Floriano Peixoto, o então presidente do Brasil. O dono do circo queria tirar proveito da situação e me obrigou a ir ter com Floriano e consegui o que meu patrão queria: salvar o circo. E o próprio Peixoto convidou-nos para levarmos os espetáculos ao largo da República bem em frente da sua janela, chegando a pagar o transporte de todo o material. Daí em diante minha carreira disparou. Ganhei muito dinheiro. Dei muito dinheiro à empresários e com 84 anos morri. Morri na miséria, na penúria. Mas lutei, pode ter certeza. Muitos obstáculos eu venci. Eu fiz a minha história.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

APLAUSOS PARA AMORABI

Esta semana, a Associação de Moradores e Amigos do Bairro Itinga (AMORABI) receberá a Medalha de Mérito Cultural Cruz e Souza. É o reconhecimento do Governo de Santa Catarina para pessoas e entidades que promovem a arte e a cultura no Estado. A Amorabi é a única representante joinvilense e pela primeira vez uma Associação de Moradores recebe tal honraria. A indicação foi aprovada pelo Conselho Estadual de Cultura. Começo a história da Amorabi. São 30 anos completados em 2011 e desde o ano 2000 desenvolve ações de cultura. Na época, existia o Grupo Cultural Itinerante, da qual fazia parte, que se uniu a Associação para promover o “Sextas Alternativas”. Desde lá não parou. Hoje é referência em Joinville e no Estado como entidade cultural. Tornou-se um Ponto de Cultura do Governo Federal e promove cursos de teatro, coral, artesanato e cinema. Já são quatro mostras de teatro, duas de artesanato e treze mostras de talentos. Conta com o apoio do SIMDEC, da Fundação Cultural e Prefeitura de Joinville em diversos projetos. Mais de 25 mil pessoas já participam de seus projetos. Mas tudo isso não teria sentido se a comunidade não abraçasse o projeto. O público comparece e participa. Durante oito anos, a Amorabi nunca recebeu recursos públicos. Não desistimos. Tínhamos um lema: “Teatro da periferia feito com amor, ousadia e muita teimosia”. Teimamos. Havia algo acontecendo. Os grupos e artistas queriam se apresentar no Itinga gratuitamente. Uma transformação estava em processo. Nas primeiras apresentações, havia muito barulho, eram crianças correndo, adultos conversando. Com o tempo, o comportamento mudou, e as pessoas participavam fazendo perguntas aos artistas no final de cada espetáculo e conversando sobre arte e cultura, no já tradicional chá com cuca. Os cursos de hoje são freqüentados por alunos que ontem assistiam as apresentações. Uma frase me marcou nestes últimos anos do projeto. Um aluno do teatro escreveu: “Antes eu tinha vergonha do meu bairro e hoje tenho o maior orgulho de falar que moro no Itinga.” Eu também tenho o maior orgulho de dizer que moro neste bairro há trinta e cinco anos, e que ele não é só uma passagem para as praias, é também um lugar de gente batalhadora, que sempre “brigou” e ainda “briga” por melhorias para a comunidade, mas também de gente simples que valoriza iniciativas que melhoram a qualidade de vida das pessoas. Outra frase que recebi e que me incentivou a continuar foi: “Semeai, semeai sempre, não importa quem colhe. Deus sabe quem plantou.” Continuem semeando, os frutos já estão nascendo e muita gente está colhendo. Agora, não é só Deus que sabe quem plantou. A comunidade do bairro, a cidade de Joinville e o Estado de Santa Catarina, através da Medalha Cruz e Souza, também conhecem os “agricultores da arte e cultura” do Itinga. Agradeço a todo grupo da Amorabi que continua a escrever diariamente esta bonita história. Me sinto honrado de fazer parte dela.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

CELSO RAMOS - 50 ANOS

Este mês, a Escola de Ensino Médio Governador Celso Ramos comemora 50 anos. Tive a felicidade de participar em dois momentos distintos de sua história. Durante 3 anos fui aluno, e por quase 7 anos, professor. Nós morávamos em Massaranduba/SC, quando meu pai, Albano Petry (já falecido) resolveu se mudar para Joinville, porque lá, não tinha o antigo 2º graus (hoje Ensino Médio). Meu pai estudou só até a 2ª série, mas tinha muito conhecimento. A escola por onde passou quase toda a minha família foi o Celso Ramos. Começou com minha irmã mais velha, e terminou comigo. São muitas recordações de quando eu era estudante, dos amigos que conquistei, dos bons professores, dos momentos de lazer que tivemos juntos. Tenho amigos até hoje desta época. Passou um tempo, e depois retorno como professor. Quando me graduei, sempre quis lecionar nesta Escola e foi o que aconteceu. Como professor de história, pude colocar em prática o que aprendi na faculdade e o que foi bom quando era aluno. Uma frase que sempre falava para os alunos era “não faça para os outros aquilo que não quer que seja feito com você”. Já fui aluno e entendo que quando você é professor, você valoriza ainda mais esta profissão. Assim como ser pai e filho. Hoje sou pai e agradeço todos os dias pela atitude do meu pai. Lembro das atividades que desenvolvia com os alunos, sempre tentando provocá-los para o protagonismo da história. Ser sujeito ativo e transformador da sociedade. As aulas não se resumiam ao quadro e giz. Sempre tive o apoio da direção que permitiu que levássemos os alunos ao cinema para ver por exemplo o filme Cidade de Deus, ou para o teatro prestigiar a Dionisos. Também organizamos mostras culturais, coordenei um grupo de teatro, fizemos viagens de estudo. Muitas vezes trabalhamos interdisciplinarmente unindo filosofia, arte, história e literatura. Um trecho da música do Almir Sater diz que “cada um de nós compõe a sua história”. Concordo com isso, mas a nossa história é feita de muitas sinfonias e para minha música estar afinada são necessário outros instrumentos. Minha história é composta por muitas músicas. Todas as pessoas, lugares, sabores que passam pela vida da gente e marcam, fazem parte dela. A Escola Celso Ramos é minha história. Foi lá e na luta com minha comunidade que aprendi o que Augusto Boal quer dizer com “ser cidadão não é vive em sociedade, é TRANSFORMÁ-LA”. Obrigado por não esquecerem de mim. Vida longa Celso Ramos. Texto publicado no Jornal Notícias do Dia - Quarta-feira, 16 de novembro de 2011.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

SER PAI E SER FILHO


Texto lido no Dia dos Pais na Igreja Menino Jesus no Itinga, Joinville/SC.



SER PAI E SER FILHO

Minha irmã Lúcia me convidou para fazer uma mensagem para os pais, no dia dos pais. Aceitei. Faz algum tempo que não falo aqui na frente. Já fiz muitas homenagens em outros tempos.

Estranho é que quando disse sim para dar este recado, parece que tudo o que eu via, dizia respeito ao tema pai. Assisti três filmes que falavam sobre a temática. Estou lendo um livro que trata do assunto. Olho em volta e vejo muitos pais com seus filhos. Isso é bom.

Primeiro vou falar do ser filho. Muitos sabem que sou de uma família grande, 15 irmãos. Meu pai faleceu faz mais de 25 anos. Eu tinha 10 anos na época. Fico tentando me lembrar bons momentos que vivi com ele. Queria ter muitos momentos, mas ele se foi cedo demais. Vivi pouco tempo com ele.

Nas minhas pesquisas pessoais, deparei na semana passada com meus rendimentos escolares, meus boletins da escola. De 1982 a 1985 estudei na antiga Escola Lacy Flores. Aquela aqui do lado que só tem uma parede. Olhando as notas, percebi que em 1983, no segundo bimestre foi meu pai que assinou o boletim. Em todos os outros bimestres e anos, foi minha mãe que assinou. Mas quando vi a assinatura dele, me emocionei. Sim, eu tenho uma assinatura dele. Modéstia a parte, sempre fui um bom aluno. Mas no primeiro bimestre de 1983 a nota de hábitos e atitudes era 7,5 com a observação continue se esforçando. No segundo, 7,8 e Gostei do seu esforço. No terceiro bimestre, após a assinatura do pai foi 8,5 e continue assim e no quarto 9,5 parabéns, você conseguiu.

Então eu aconselho como filho: pais assinem os boletins dos filhos. É importante para eles. Assinar os boletins não significa apenas o gesto de escrever o nome, mas participar da vida deles.

Hoje parece que eu sinto mais saudades do meu pai que antigamente. E sabe por quê? Porque hoje eu sou pai também. E quando se é pai, parece que aí a gente valoriza ainda o mais quem nos criou.

Meu pai era um homem trabalhador, alegre, falava alto, gostava de ver a casa dele cheia de gente. Acho que seus filhos puxaram um pouco disso. Meu pai não dava moleza para os filhos. Lembro-me que trabalhava desde criança na serraria. E não pense que era serviço fácil. Eu lembro que geralmente o pior ficava para os filhos, pelo menos pra mim que era um dos mais novos. Trabalhava na plaina com um barulho infernal ou tirando taboa. Até as mulheres pegavam junto. Mas não sinto nenhum tipo de rancor quanto a isso. Trabalhava um período e estudava no outro. Trabalhava até nos feriados. Acho que só no domingo é que tínhamos folga. E salário, não existia. Lembro que ate picolezeiro eu fui na época.

Não vou ser um pai como ele. Os tempos mudaram, a gente é diferente, mas espero que meus filhos tenham respeito por mim, como tenho por me pai. RESPEITO. Esta é uma palavra forte. Não significa medo, mas com consideração.

Quando adolescente, li um livro chamado Uma prece para Dany Fischer. Era a história de um pai que morreu pouco depois de seu filho nascer. Durante toda a história o pai conta sua história, suas lutas diárias, suas alegrias e tristezas e pede para que o filho conheça ela, porque uma pessoa sem história não tem identidade. No final uma frase me marcou para sempre “VIVER NOS CORAÇÕES QUE FICAM NÁO É MORRER”. “VIVER NOS CORAÇÕES QUE FICAM NÁO É MORRER”. Espero fica sempre no coração de meus filhos.

Frases prontas que sempre serão verdade. Não existe ex-pai. Ter um filho é ter uma responsabilidade para sempre. Parece estranho, mas é assim. Mas também é ter um AMOR PARA SEMPRE. Não falo pelos outros, mas meu amor pelos meus filhos é incondicional.

Hoje, uma das coisas que mais me chateia é quando vejo uma criança abandonada. Um jovem abandonado. Um filho brigado com seus pais. Pode haver diferenças, mas precisa haver a compreensão. De ambos os lados. Os pais também erram. Fico pensando como pode um pai, uma mãe abandonar um filho? Como pode um filho abandonar um pai, ficar sem conversar com ele?

Eu sempre vou lembrar do nascimento dos meus filhos, também da festa é claro. Vou lembrar das vezes que acordei a noite para trocá-lo. Sim, sempre troquei as fraldas deles, deu de mamar, cantei cantigas de ninar, brinquei de cavalinho. Quer dizer ainda faço tudo isso. O tempo passa e cada fase é uma fase. Se você não aproveitar o momento, ele passará. Não quer dizer que terá que abdicar de sua vida, para viver em função dos filhos, mas que com certeza deixar de fazer algumas coisas para fazer outras. Não importa, relaxe. Viva os momentos com a família.

RESPEITO, COMPREENSÁO E AMOR. Este é o recado. São três palavras que gostaria que a gente levasse para casa.

Para encerrar convido minha família trazendo algumas lembranças do meu pai. O casaco que ele usou há mais de 30 anos atrás e o boletim do meu pai da 2. série em 1948 e o meu da 2. série que ele assinou em 1983.

PAI. Sei que um dos motivos da gente vir para Joinville morar no Itinga da década de 70 foi para que seus filhos pudessem estudar. Em Massaranduba, não havia segundo grau. Você estudou até a 2. série, mas era um homem muito sábio. E sabedoria não se aprende na escola. Eu já fiz faculdade, muitos outros filhos seus também. Boa parte dos irmãos continuam tocando a serraria. Hoje sou secretário regional, mas nada disso poderia ter acontecido se você junto com a mãe não tivessem decidido vir para Joinville. E para mim também nada disso importaria se nossa família não permanecesse unida.

A família cresceu é claro. Aqui está a Patrícia, minha esposa, o Caetano, seu último neto e a Catarina sua última neta. Por enquanto.

Obrigado comunidade Menino Jesus pela compreensão.
Aos pais presentes, felicidades. Beijem a abracem seus pais e seus filhos, sempre.
Muito obrigado.

Cristóvão Petry
Domingo, 13 de agosto de 2011.