segunda-feira, 25 de junho de 2012

SER HUMANO OU SER PROFISSIONAL

Compartilho um texto que usava em sala de aula com meus alunos na Escola de Ensino Médio Governador Celso Ramos. A pergunta ainda é pertinente. SER PROFISSIONAL OU SER HUMANO? Seguramente todos já conhecem esta foto. Durante a fome que sofreu o Sudão, em 1993, uma menina agoniza enquanto um abutre espera às suas costas. A foto é de Kevin Carter. Depois de tirá-la, esperou ainda um tempo, já que pensava que seria ainda melhor se o abutre aparecesse com as asas abertas. Passados 20 minutos, algo se rompeu dentro dele. Foi correndo até o abutre, afugentou-o, sentou-se embaixo de uma árvore, acendeu um cigarro e começou a chorar. Quatorze meses depois, em maio de 1994, recebia nos Estados Unidos o Prêmio Pultzier de fotografia. A glória maior no mundo do jornalismo. A consagração como um dos melhores fotógrafos. Como profissional havia atingido o ápice de sua carreira, mas e como pessoa? Como pessoa Kevin Carter se suicidaria dois meses depois de receber o prêmio, em julho. Kevin Carter fora sempre um perfeito profissional. Em 10 anos presenciou, na África do Sul, fatos como: um grupo de brancos linchar um negro; em um funeral a multidão de negros espancar e atear fogo em outro negro de um grupo rival; alguns de seus colegas fotógrafos que ficaram mortos ou feridos pelo caminho. Viveu por todo o mundo algumas das tragédias que contemplamos comodamente sentados em nossas poltronas diante do televisor. Como profissional, perfeito, havia abdicado de sua sensibilidade, de sua vida, tudo em função da eficiência, para estar no lugar e na hora em que se produzisse o fato jornalístico e com a certeza de que o dedo não falharia na hora de apertar o disparador. O profissional estava crescendo, mas o ser humano estava cada vez mais destroçado. Em uma das frases de sua carta de despedida, afirmava: “Me perseguem Assassinatos & Cadáveres & Raiva & Sofrimento(...) O tormento que causa a vida obscurece qualquer alegria”. Esse caso é um pouco extremo, mas não é verdade que cada vez há mais entre nós mais e mais gente cansada já de viver(?), ou diretamente, mais casos de suicídio? Quantas vezes, nós mesmos, hoje em dia, não começamos a hipotecar nossa felicidade pensando no dia de amanhã, em que temos de ser os primeiros, ou pelo menos, estar preparados o melhor possível para a “competição”. Primeiro são nossos pais que nos repetem seus medos, seus conselhos nos quais vale mais uma hora de inglês do que uma hora brincando na rua. Mas pouco a pouco vamos assumindo e interiorizando seus temores, suas desconfianças no futuro, e em nossos vizinhos, em nossos companheiros e amigas, porque mais vale prevenir-se para o que virá. Primeiro asseguro meu futuro e logo, veremos. E assim vamos seguindo. Não só estamos destroçando a nós mesmos, como Kevin, ao eleger carreiras, entre outras coisas, de que não gostamos nem nos interessam, mas que serão muito úteis no dia de amanhã, além do mais estamos carregando a sociedade, e de quebra, o planeta inteiro. Alguns afirmam que na foto havia na realidade dois abutres. O segundo se encontraria por trás da câmara. Eu creio ser melhor dizer que havia duas vítimas, a menina, e uma pessoa que chegou a crer que ser um profissional, fazer seu trabalho o melhor possível, era mais importante que ser feliz, que viver. Extraída de Ekintza Zuzena, n° 16 – 94/95